sábado, 21 de julho de 2012

A Dança do Ventre pode acabar no Egito?!

Existem muitas pessoas se perguntando sobre o futuro da dança do ventre no Egito agora que o presidente eleito representaria o "fundamentalismo islâmico", o que aos olhos ocidentais seria também um retrocesso à modernidade e à democracia do país, consequentemente a perda das liberdades conquistadas pelas mulheres, estas sempre vistas como as grandes "vítimas" da religião. Essas pessoas pensam: se a dança do ventre, que fora dos grandes hotéis, do glamour, que no senso comum é vista como prostituição e é uma profissão degradante, ela estaria definitivamente com seus dias contados?

A dança do ventre anda mal das pernas há bastante tempo no Egito. Eu sempre indico livros de escritoras egípcias feministas para que a gente tenha uma visão da "ala da discórdia", haha, como Leila Ahmed e Nawal Al Saadawi, pois elas nos dizem algo que acontece antes desta Revolução do Egito, antes de Mohamed Morsi. Elas contam que o uso do véu pelas mulheres egípcias não era tão comum há 40-60 anos atrás, muitas andavam de calça jeans, fumavam, pintavam o cabelo, mas o uso dele começou a crescer e hoje em dia, véu? As mulheres já estão aderindo direto ao niqab, com o qual só seus olhos ficam expostos. Sobre isso até a dançarina Jade el Jabel, que está lá há um ano, já comentou em um post. É engraçado perceber que o processo é tão longo e contínuo, mas só com uma ruptura extrema, que foi a queda de Mubarak e a ascensão de um partido islâmico ao poder, deu esse estalo para as pessoas perceberem o poder e significância deste partido.

Eu já havia comentado sobre essa onda de conservadorismo no mundo árabe, que não se deu só no Egito, mas vejam só: o país sempre foi muçulmano. E pasmem: a maioria das constituições dos países árabes são muçulmanas (com a lei islâmica, a charía como legislação) e também socialistas (sim, lembra da União Soviética?). E mesmo sendo muçulmano, o Egito adotava a dança do ventre como cultura, mas agora a dança do ventre carrega cada vez mais fortemente o aspecto de prostituição, de desvalorização da mulher. É tudo uma questão de interesse. A dança servia antes para definir uma identidade cultural e étnica, hoje ela não tem mais esse papel.

Semana passada dei de cara com um artigo da Folha de São Paulo entrevistando nada mais nada menos que: Dina! Isso mesmo, a dançarina. A entrevista foi feita antes da eleição de Mohamed Morsi, e me pareceu tendenciosa, porque: Dina representando a figura política Ahmed Shafiq, candidato que se opunha à Morsi?! Tadisacanági! Assim, Shafiq representava o antigo regime derrubado (Mubarak), e nele as dançarinas do ventre também não eram reverenciadas (hélouuu). Voltando à entrevista, Dina se diz preocupada, nisso eu acredito que ela possa ter preocupação: dá pra botar uma roupa decente pra dançar, dona Dina? (brincadeirinha) Ela dança em casamentos caros, sim, como mesmo mostram no artigo, as mulheres muçulmanas se acotovelam para vê-la, e a noiva dança! Agora diz qual delas viveria de dança abertamente? Que colocaria a roupa da Dina pra dançar? A dança do ventre ainda faz parte dos círculos familiares, mas a dança do ventre como profissão é extremamente desvalorizada.

As primeiras medidas de Morsi, entretanto, contrariando os prognósticos sombrios das mídias ocidentais e oposicionistas, não foram anti-democráticas, e eu estou acompanhando o desenrolar do seu governo. Mas pensando de uma forma crítica, eu acho que a dança do ventre no Egito não acabaria por causa de um presidente a favor do conservadorismo, eu acho que ela acabaria se ela continuar sendo utilizada como um olhar erotizante (roupas diminutas da Dina, locais de prostituição, com o papo de agradar o marido) ao invés do olhar da arte. Alguém já ouviu falar do caso do Flamenco na Espanha? Até o início do séc. XX ele era super discriminado e era literamente como a dança do ventre, dança de cabaré, de rua, de gente que ia ver a mulher requebrar e não apreciar sua habilidade, seu talento, sua arte. Foi com o trabalho de diversos intelectuais, sejam músicos, poetas, dançarinos e até mesmo diretores de cinema (como Carlos Saura) que a imagem do Flamenco foi elencada como arte, e hoje é exportada como tal. Mas isso impede que haja ainda gente preconceituosa por lá? NÃO! Parece mentira, mas eu fui conversar com um espanhol sobre flamenco, um cara que não era povão, e o mesmo me disse: "Você conhece a parte ruim da Espanha". Se libertar de preconceitos é muito difícil!!! Mas acho que com esse impasse sobre a dança do ventre no Egito, com tantos admiradores e praticantes pelo mundo, não seria a hora de adotar de verdade uma dança como arte?

Um exemplo que a visão da dança do ventre como parte da cultura se modificou ao longo do tempo, abaixo dois filmes com a mesma temática, a obra As Mil e Uma Noites:


Este é o filme completo de 1964, no início, no meio e no fim tem dança do ventre, e sempre bem celebrada. (até homem dançando à la mulherzinha)


Esse é um release de um filme que será lançado oficialmente ano que vem, só aparece dança do ventre (muwashahat) lá pelos 6 minutos, mesmo assim são mulheres sedutoras, meio monstro, meio mulher, um negócio meio perigoso...

Um comentário:

Melissa Souza disse...

Nossa, esse último vídeo passou uma ideia muito bizarra da dança.

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