sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Encarando o improviso com técnica - Por Kiania Lima

Uns dos grandes temas na Dança do Ventre é o improviso: Como fazer? Existe técnica para estudar improviso? É possível aprender a improvisar? Enfim... O improviso é uma das marcas dessa dança e é um grande desafio para a expressão artística de uma bailarina, por isso tanta discussão em torno dele.
Quem nunca ouviu que improviso é "sentir e não pensar em nada"? É "deixar a música fluir no seu corpo"? Estas frases não estão totalmente equivocadas, mas dão margem a interpretações enganosas. Cuidado! Uma coisa é a técnica estar tão interiorizada em seu corpo e mente, que de fato, ao dançar você "não pensa em nada", "deixa a música fluir no corpo". Quando falo da técnica englobo muitas coisas que estudamos: os movimentos, a leitura musical, os ritmos, a utilização do espaço, dos planos, velocidade,  intensidade, instrumentosfolclore, e tantas outras mil coisas. Ou seja, o improviso é um instante em que você usa, CONSCIENTEMENTE, tudo aquilo que você estuda. Portanto, você pensa, sim! O improviso não brota do vazio, ou do seu bel-prazer. Além disso, você precisa estar apto a se entregar aos seus conhecimentos e vivência. Isso é outro passo fundamental no improviso. Confiar em você. Confiar no que aprendeu e estudou!!! Acredite, isso não é algo fácil para todo mundo... Abaixo, transcrevo as palavras da bailarina Kiania Lima (KK- SP) que em seu grupo de discussão no facebook escreveu sobre como o improviso funciona. Eu gostei muito, pois ela tocou em pontos super importantes, essenciais, que não podem passar despercebidos, com exemplos bacanas. Aproveitem!
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"Bom, eu já disse muitas vezes aqui que não acredito nessa crença do "DANÇA AÍ" nem do "SENTE AÍ". Eu só me tornei hábil para improvisar quando me dei conta de algumas coisas e vou citá-las aqui:
1- Tranquilidade: Se é improviso e ninguém sabe o que você pretende fazer, então não tem que ter medo de errar. Não é verdade? Muitas pessoas denunciam pelo rosto que alguma coisa deu errado, aí o público se toca ou fica procurando o erro denunciado pela bailarina. Para improvisar precisa aprender que não existe erro. Uma coisa pode não ter saído do jeito que você queria. De repente até da certo e fica melhor do que o que você queria, e se não der, pelo menos você aprende alguma coisa com aquilo. Um exemplo muito útil para mim é a finalização. Muitas bailarinas deixam aquela sensação ruim no público e algumas vezes estragam com todo o trabalho de uma música por denunciarem perder a finalização. Eu afirmo!!!! Se você não conhece a música e for um final medonho e você por um acaso perdê-lo (porque com a prática você aprende que as músicas denunciam a finalização), o público só vai dar importância para isso se você quiser. Se você agir naturalmente, tudo dá certo;

2- Segurança da sua técnica: um dos principais motivos da minha total desconfiança da expressão "DANÇA AÍ" é que se você não tem segurança da sua técnica, e isso abrange: a qualidade dos seus movimentos em isolado, as suas emendas, a sua postura e etc, muito provavelmente você não terá um bom improviso. O improviso, para mim, pode ser comparado a um curso de datilografia. No início você começa digitando com os dois dedos indicadores (o famoso "catando milho"), até que com o passar do tempo e a prática você começa a usar os outros dedos e acelera a velocidade da sua digitação, até que chega o dia em que você não é só rápido, que você faz tudo isso sem nem precisar olhar para o teclado e também se dá conta de que não consegue ficar muito tempo na atividade se não se preocupar com a sua colocação postural. Quanto melhor você conhecer o seu corpo, quantos mais caminhos ele souber fazer, melhor e mais fácil vai ficar para você e isso significa estudar, estudar e estudar técnica. Lembra que técnica é o palpável??? Porque o que você é, você já é!!!;

3- Respiro: Precisa existir aquela calma para esperar o que vai vir na música, e não sair fazendo todas as coisas de uma vez e nem o que você quer. Tem que ter sempre em mente que é a música que manda em você e não você, portanto não adianta você fazer coisas lindas que não tenham nada a ver com o que está tocando;

4- A bailarina só tem uma chance para errar: Sim. Eu encaro isso como uma verdade na minha carreira. A bailarina tem uma chance para ouvir a frase e depois ler da melhor forma possível. Com o tempo você vai percebendo que nem vai mais precisar ouvir a frase inteira para saber o que fazer. Lembra do curso de datilografia? Ouvir muita música árabe de todos os gêneros é um ponto crucial para ser bem sucedida nesse aspecto. Você vai começar a entender que as músicas dizem que você tem que fazer. UMA BOA BAILARINA é aquela que tem um BOM OUVIDO. Quanto mais música árabe você ouvir, mais o seu ouvido vai estar treinado para ouvir os diversos sons, até os muito escondidos e SE o seu corpo estiver compatível para trabalhar fielmente às nuances percebidas pelos seus ouvidos (item 2), com certeza vai ser uma coisa maravilhosa;

5- Jogar numa fogueira aquela sensação do "estou fazendo sempre a mesma coisa": É óbvio que se você não leva a sério o item 2 dessa extensa lista, provavelmente você estará, mesmo, mas se você estuda, desencane disso. Uma bailarina pode dançar uma dança inteira apenas fazendo camelo e, ainda assim, a dança ser divina. Muitas bailarinas dançam priorizando os movimentos básicos e é lindo. Quando você se der conta de que um camelo não é igual ao outro, por exemplo, você vai se sentir muito confortável para improvisar. Se você estica um camelo na abertura, é totalmente diferente do outro que você estica no fechamento, ou que você não estica nunca, ou que estica tanto para abrir quanto para fechar. Se você faz tudo isso condizente com a música, você não tem porque acreditar que você esteja fazendo sempre a mesma coisa. Se você tiver concentrada na música não tem como você se tomar por esses pensamentos, e tudo isso tem também como base o item 2. ESTUDAR, ESTUDAR e ESTUDAR;

6- Autoconfiança: "Acredite em você". Isso soa absurdamente clichê e é, mas está absurdamente comprovado que tudo feito com autoconfiança fica melhor. Uma vez em um exemplo em sala que tive a oportunidade de participar, comprovamos a diferença na dança da pessoa de acordo com o que a pessoa pensava enquanto dançava. Eram distribuídas algumas frases do tipo "Eu sou muito boa", "Eu sei o que estou fazendo", "Estou com raiva" e "Não sei o que estou fazendo", dentre outras e ACREDITEM, a dança da pessoa condizia com o pensamento proposto durante a dança da pessoa.
Isso não é o máximo???"

Kiania dançando na Khan el Khalili, um espaço que preza pelo improviso.

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